Textos críticos
Diários de Vincent: Impressões do estrangeiro
Ficção biográfica de escritor/artista: Evando Nascimento, Lúcia Bettencourt e Maria José Silveira
“Toda biografia é um romance, e é por isso que devoro tantas.
Mas só leio biografias de escritores.”
(Michel Schneider)
Como assinalam Robert Dion e Frances Fortier (2010), desde o início da era moderna tornou-se comum ter personagens que são artistas; este seria um procedimento autorreflexivo com o qual o escritor tenta se entender. Esse modelo de romance passou a ser chamado de Künstlerroman, um subgênero do Bildungsroman, romance de formação. Mais recentemente surgiu uma outra modalidade, na qual os autores se inspiram em artistas e escritores reais, escrevendo biografias romanceadas, que eles chamaram de “ficção biográfica de escritor” (Dion, Fortier, 2010, p. 11), acompanhando a terminologia adotada por Jean-Benoît Puech. Esse tipo de romance, que se desenvolveu, sobretudo, a partir dos anos 1980, na esteira da “volta do sujeito” que propiciou o advento da autoficção, decorre de mudanças societais, mas também de uma necessidade de renovação constante do gênero romance, que não cessa de se hibridizar.
Dion e Fortier recorrem ao conceito de transposição (do vivido, da obra, da crítica e do gênero) para designar os procedimentos usados na ficção biográfica de escritor. Na transposição do vivido, o escritor tanto pode ser fiel aos elementos fornecidos pela historiografia quanto operar com fantasmas, em que dá livre curso à sua imaginação; na transposição da obra, o autor estabelece uma relação autor-obra, reescrevendo, de alguma maneira, os textos originais; na transposição da crítica, o romance tende ao ensaio crítico no qual o escritor procede à análise dos textos; na transposição do gênero, o escritor aborda os diferentes gêneros que convergem na biografia. Essas modalidades de transposição não são estanques, elas se interpenetram e se hibridizam, permitindo ao escritor se apropriar de uma figura do passado e reinventar esse outro, ao mesmo tempo em que se reinventa.
Ainda segundo Dion e Fortier (2010, p. 19), ao transpor o vivido do biografado, a biografia imaginária tem indícios formais e diegéticos tais como: jogos de focalização interna dando acesso aos pensamentos do personagem, topos da agonia encenando os últimos dias, elementos cronológicos ou espaciais fantasistas. Ao se apropriar da obra, o exercício hipertextual torna-se o
motor da escrita (2010, p. 51). Os críticos salientam que, mais do que indagar sobre a pertinência da crítica no processo de escrita, seu interesse visa apreender a biografia enquanto discurso crítico (2010, p. 89).
A questão da pertinência crítica da biografia ressurgiu com a reavaliação da noção de sujeito a partir dos anos 1980, ressurgência que estaria ligada ao que a crítica francesa chama de “o biográfico”. O biográfico designa tudo o que deborda e atravessa as fronteiras da biografia para se espalhar para o romance, o testemunho, a autoficção, o ensaio (2010, p. 90). Daniel Madelénat (1991, p.241) considera que, ao transcender a oposição primária do verdadeiro e do falso, ao ultrapassar a imitação rasa de um gênero pelo outro, “o romancista biógrafo é um aventureiro do sentido perdido que marcha para o mito e, infeliz Ícaro, se atola às vezes no pântano da anedota ou se extravia no arabesco decorativo”. Alain Buisine (1991, p. 10) afirma que a biografia tornou-se produtora de ficções; mais do que isso, ela se dá conta de que a ficcionalidade faz parte do gesto biográfico.
Daniel Madelénat (1991, p. 236) sustenta que o biográfico é compósito como a própria vida; assim, só a situação de comunicação (enunciação séria ou lúdica) discrimina biografia e romance biográfico e não as marcas textuais evidentes. “As mesmas exigências de documentação, de verossimilhança e de realismo, variáveis segundo as épocas, se impõem tanto ao historiador quanto
ao romancista; os polos histórico e romanesco entretecem uma ‘ dialética essencial’: as formas mistas, ao ocupar o espaço que os separa, mostram as sinergias e as contradições do conhecimento racional e da imaginação do passado”. Essa apropriação recíproca, embora cause problemas, ajuda a resolvê-los: o romance ganha credibilidade e eficiência e a biografia ganha continuidade e legibilidade. No contexto pós-moderno, de um lado, diminuem as defesas de uma historiografia “científica” e, de outro, as pressões e interdições concernentes ao personagem não impedem mais nem as pulsões do romance em direção ao “relato verdadeiro” nem as expansões e deslocalizações da biografia a partir de suas bases históricas e literárias tradicionais (1991, p. 237).
Na ficção biográfica de autores reais o escritor contemporâneo tende a fazer, através da biografia de um escritor canônico morto, uma autoanálise (uma autobiografia oblíqua), pois falar de outro escritor é poder falar de si, seja dos dramas existenciais, seja da postura do escritor frente a questões éticas e políticas, seja de problemas de ordem estética. Como aponta François Dosse (2009, p. 100), “o biógrafo expõe o seu ‘eu’, o percurso que ensejou o encontro com o sujeito biografado, a relação pessoal entre ambos”. E ele continua dizendo que “o biógrafo costuma inserir-se na vida alheia a ponto de a separação entre autobiografia e biografia quase desaparecer”. No caso dos escritores que escrevem biografia sobre outro escritor ou artista, isso é ainda mais acentuado.
Quando o escritor está vivo, as coisas podem se complicar. Patrick Modiano tornou-se malgré lui personagem do romance Oublier Modiano (2011), de Marie Lebey, a qual se apropriou das lembranças presentes nos romances e narrativas do autor, mesclando-as com as suas. Através de seu advogado, Modiano se declarou chocado diante dos sentimentos que lhe são
atribuídos em relação a episódios dolorosos de sua infância, em particular ao seu irmão Rudy, morto aos 10 anos de idade. No caso em questão, houve um incômodo porque Modiano não apreciou a homenagem, considerando abusiva a proximidade da escritora, que ele, aliás, não conhecia.
Michel Schneider (2005, p. 13), no livro Mortes imaginárias, conta a morte de 36 escritores a partir de seus livros; não são, propriamente, biografias, mas “uma espécie-fantasma” ou tanatografias. “É preciso, portanto, ler os livros que esses escritores escreveram: é neles que sua morte é contada. O escritor é alguém que passa a vida a morrer, nas frases longas e nas palavras
curtas” (2005, p. 13). A transposição genérica na biografia significa que vários gêneros literários – poesia, ficção, ensaio, biografia, autobiografia – podem estar misturados, criando aquilo que Dominique Viart chamou de “espaço transgenérico” (citado por Dion, Fortier, 2010, p. 121).
As biografias de Rimbaud (1854-1891), Van Gogh (1853-1890) e Eleanor Marx (1855-1898) captam seus últimos anos e suas mortes, ainda que voltem, eventualmente, para momentos da infância e da juventude. E, curiosamente, os três foram contemporâneos e morreram jovens: Rimbaud e Van Gogh com 37 anos e Eleanor com 43 anos. Os três autores dessas ficções revelam seus próprios pendores e interesses: Evando Nascimento, pesquisador e professor, tornou-se ficcionista, desenvolvendo uma prosa bastante inovadora; ultimamente, voltou-se também para o desenho e a pintura; Lúcia Bettencourt mostra ser grande leitora, profunda conhecedora das obras de Proust, de Rimbaud e de Borges, com os quais entra em diálogo criativo; Maria José Silveira, militante política durante a ditadura, exilada, editora e romancista, ao se aproximar da figura de Eleanor, a filha caçula de Marx, alude a sua crença na capacidade revolucionária de outros tempos, tentando, talvez, ainda ter fé na humanidade.
Evando Nascimento: Diários de Vincent – Impressões do estrangeiro (2021)
Evando Nascimento escreveu o romance apropriando-se da voz de Van Gogh, simulando diários que o pintor teria escrito em seus quatro últimos anos, de 6 de março de 1886 a 24 de julho de 1890, enquanto vivia em Paris e em Arles, no sul da França. O procedimento, muito usado no século XVIII, perdeu sua força no século XIX e retorna, esporadicamente, de novas maneiras. No caso, o autor finge descobrir um diário de uma pessoa real, Van Gogh. É um dispositivo semelhante ao que Silviano Santiago usou no livro Em liberdade, no qual criou diários fictícios de Graciliano Ramos após sua saída da prisão e, nesse sentido, poderiam ser entendidos como uma continuação de Memórias do cárcere. Nesta obra, logo abaixo do título, vem escrito “uma ficção de Silviano Santiago” e, no recente romance, lê-se “um romance de Evando Nascimento”. Fica explicitado que o jovem autor está homenageando, ao mesmo tempo, o pintor holandês e o escritor brasileiro.
O romance é dividido em quatro cadernos, um prefácio do autor intitulado “Sementes”, e um epílogo, “Germinações”. Os dois primeiros cadernos se passam em Paris, o terceiro em Arles e o quarto nos dois asilos em que Van Gogh morou no fim da vida. No diálogo intermidiático que se dá entre escrita e pintura, o autor recorre à écfrase, a maneira possível de fazer a transposição
da pintura no texto, descrevendo e comentando os quadros de Van Gogh e outros pintores. Aliás, no fim do romance aparece uma lista de telas que são mencionadas ao longo do texto. Para contar a vida de Van Gogh, o escritor realizou pesquisas em livros e arquivos, tendo utilizado a correspondência do pintor com seu irmão, as Cartas a Theo, na qual sua voz em primeira pessoa se
faz ouvir. No entanto, é preciso esclarecer que Van Gogh não escreveu cartas a Theo enquanto morou em Paris com ele, portanto, os dois primeiros cadernos foram imaginados pelo autor a partir de suas pesquisas.
Fazer uma biografia, apesar de indispensável, é tarefa insuficiente, eis o que observa Evando Nascimento (2021, p. 281). “Só a própria vida dá conta de si, e infelizmente ninguém até hoje conseguiu apreendê-la e mantê-la pulsante aos olhos dos leitores. […] A obra de um artista é sua melhor biografia”. O autor, que tem uma larga reflexão crítica sobre o gesto (auto)biográfico, problematiza a questão em várias passagens do romance, o que aponta para o fato de que escrever sobre o outro é, também, escrever sobre si. Tendo escolhido a forma do diário, Evando Nascimento (2021, p. 330) a questiona, usando a voz de Van Gogh: “Nenhum diário, por mais bem escrito, dá conta de uma vida. O máximo a que chego é um resumo por alto, com inúmeras lacunas e esquecimentos, voluntários ou não, sem falar nas deturpações e inverdades sobre o que me acontece”.
Embora o biógrafo busque conhecer a vida do pintor, jamais saberá quem de fato foi Vincent Van Gogh. Tudo são versões, nunca se pode estabelecer uma verdade. O eu são múltiplos: “Não creio que seja dotado de duas almas, mas de várias. Ouço muitas vozes dentro de mim quando estou sozinho, mas procuro sempre me guiar pela Voz responsável por minha vocação maior”
(Nascimento, 2021, p. 48, grifo do autor). Van Gogh, personagem-narrador, encena a questão da identidade narrativa proposta por Paul Ricœur (2014) quando afirma que a narrativa constitui a mediação possível do tempo vivido, só a história de nossa vida nos mostra o que/quem somos. A identidade teria duas facetas, a mesmidade e a ipseidade, que se relacionam com duas noções:
caráter e promessa. A mesmidade é marcada pelo caráter, pelo que se herda e que constitui um conjunto de traços imutáveis, de disposições estáveis ao longo do tempo; trata-se da identidade como permanência no tempo, ligada à busca de uma invariante relacional. Já a ipseidade sinaliza o fato de que o sujeito, apesar de mudar constantemente, deve manter sua palavra; a ipseidade
tem uma dimensão ética que inclui a alteridade, por isso ela se relaciona com a ideia de promessa. “O si-mesmo como outro sugere logo de saída que a ipseidade de si-mesmo implica a alteridade num grau tão íntimo que uma não pode ser pensada sem a outra, uma passa para dentro da outra, como se diria em linguagem hegeliana” (Ricœur, 2014, p. XIV, grifos do autor).
A voz narrativa de Van Gogh tem consciência de suas transformações ao longo dos anos; ao mesmo tempo, tem consciência de que não se encontra isolado no mundo, está em diálogo com seus contemporâneos que não o compreendem. Não existe identidade sem alteridade, inclusive a alteridade que há dentro de si-mesmo. “Pinto e desenho como sou, não como os outros
gostariam que fôssemos, eu e minha obra. Mas esse ‘como sou’ é uma eterna descoberta, não coincide com o que eu era ou pensava quando comecei a desenhar e pintar, em tal dia ou qual hora” (Nascimento, 2021, p. 62).
O pintor holandês se apresenta como um ser solitário, que se sentia estrangeiro em qualquer lugar. O romance mostra tanto as relações amorosas entre irmãos como os conflitos familiares, sobretudo com os pais; ser considerado estranho pela mãe é traumático, ser reprimido pelo pai é doloroso. “Involuntariamente, tornei-me na família uma espécie de personagem impossível e suspeito, seja como for, alguém que não merece confiança. A quem poderia eu ser útil de alguma maneira?” (Van Gogh, 2021, p. 39).
Sua relação mais forte é com o irmão Theo, que o sustentava, já que ele não conseguia ter uma renda mínima para sua subsistência. Vendeu um único quadro em vida, recebeu uma única crítica – bastante elogiosa – no jornal Mercure de France no ano de sua morte. Suas telas ficaram com o irmão Theo ou no depósito do Père Tanguy, que lhe fornecia tinta. Hoje suas telas e as de seus contemporâneos, como Cézanne, Monet, Renoir, valem milhões.
Generoso, desprovido de preconceitos, Van Gogh defende as prostitutas, que costumava frequentar, defende, na verdade, todos os oprimidos, inclusive os animais e as flores. “Rejeito cabalmente essa mania dos humanos de pôr um abismo entre nós e os outros viventes, se a matéria-prima é a mesma… Me importa a vida em todas as suas formas, e não na exclusiva configuração
humana” (Nascimento, 2021, p. 81).
A concepção de arte que Van Gogh exprime também tem a ver com esses aspectos salientados sobre identidade a partir de Paul Ricœur. Ao discutir sua teoria das cores, em diálogo com o que faziam os impressionistas, ele vê sua permanência. “A COR EXPRIME ALGO POR SI MESMA, eis uma ideia que me ocorreu pela primeira vez ainda em Nuenen e que morrerei defendendo”
(Nascimento, 2021, p. 68, caixa alta do autor). Ele concebe o artista como um semeador que espalha ideias, cores, sentimentos e sensações. Postula para si liberdade criativa, não aceitando as imposições realistas que podiam lhe fazer.
Suas considerações acerca do autorretrato remetem a uma concepção expressionista que visa exprimir a subjetividade através de formas distorcidas, cores intensas, não adstritas à representação “fiel” da realidade: “Quando me pinto, não estou buscando nenhuma semelhança, daí que nenhum dos quadros se parece com o outro. Procuro quem sabe alguma verdade singular, mais
além da aparência. Cada vez que me retrato é um fragmento dessa verdade que emerge” (Nascimento, 2021, p. 93). Faz autorretratos com chapéus, de palha ou de feltro, performando múltiplas facetas e se pergunta: “Qual minha verdadeira identidade? Jamais vou saber e pouco importa” (Nascimento, 2021, p.138). “Creio que sou o melhor juiz de mim mesmo, e quando me autorretrato retiro tudo o que o mundo tentou sobrepor a minha face, expondo o rosto mais íntimo, aquele que quase ninguém vê em plena luz do dia, menos ainda no breu da noite” (Nascimento, 2021, p. 156). Ele afirma se reconhecer melhor nas paisagens do que nas imagens calcadas em sua imagem. “Há mais de mim nos girassóis, nas rosas e nas papoulas espalhadas nas telas do que naquelas figuras com ou sem chapéu que se olham no espelho enquanto pintam dois terços do rosto” (Nascimento, 2021, p. 172).
A arte, em especial a pintura, não é cópia da realidade, a qual se encontra na arte, porém revirada pelo avesso, já transfigurada. “É isso que significa a essência da vida: não a realidade corrente, ordenada pelo senso comum, mas o senso comum transfigurado” (Nascimento, 2021, p. 116, grifo do autor). Ele diz não se arrepender de suas reações intempestivas nas vezes em que se sentiu agredido. “Em síntese, o que minha arte é sou eu também, embora às vezes pareçamos seguir caminhos distintos” (Nascimento, 2021, p. 122). Ele reconhece que é difícil ser reconhecido pelos contemporâneos quando se é um artista inovador.
O Van Gogh de Evando é um homem poliglota, que lê muita literatura, comenta suas leituras, gosta de música e, em especial, de Wagner, que, segundo ele, fez em música o que ele sonhava fazer em pintura, uma obra de arte sem limites. Sente o impacto ao conhecer a pintura dos impressionistas, mudando, radicalmente, sua técnica de desenho e pintura; abandona as cores sombrias
da tradição flamenga e passa a adotar as cores vivas, pintando ao ar livre. Sobre o conceito de influência, Van Gogh afirma que se trata mais de confluência, “como rios diversos que convergem para um mesmo curso” (Nascimento, 2021, p. 317).
Van Gogh efetivamente encontra-se numa confluência de muitas tendências; absorve o que pode de outros pintores, embora tenha muita dificuldade de se juntar a eles, tornar-se amigo, parceiro. O desejo de que Gauguin, que tanto admirava, residisse com ele em Arles, na Casa Amarela, cai por terra após pouco tempo. Seus sentimentos em relação a Gauguin são ambíguos, contraditórios; ele o reconforta e o angustia. Nada dá certo, sua presença invade tudo, perturbando, fortemente, o tênue equilíbrio emocional de Van Gogh. “Faz duas semanas que comecei a ter alucinações. Fico ansioso. Sonho que Gauguin é um monstro […]. E sua figura fantasmagórica se mistura em meus delírios noturnos com o Horla, esse monstro inventado por Maupassant” (Nascimento, 2021, p. 243).
Segundo Pinheiro Machado, organizador de Cartas a Theo, Van Gogh teria lançado um copo à cara de Gauguin, que foi embora; depois disso, teve um colapso nervoso, cortou um pedaço de sua orelha e levou-a a uma prostituta. Durante a crise, foi internado no Asilo de Saint-Paul-de-Mausole em Saint-Rémy. Após um tempo, Theo o transferiu para outra clínica mais perto
de Paris, em Auvers-sur-Oise, onde foi atendido pelo doutor Paul-Ferdinand Gachet, colecionador de arte e do qual Van Gogh fez vários retratos.
Como piscadelas para os leitores, Evando Nascimento (2021, p. 63) cita implicitamente Carlos Drummond de Andrade, fazendo Van Gogh dizer que “Zundert é só um quadro na parede da memória, mas como dói!”, e Mallarmé, ao afirmar: “A vida não passa de um lance de dados, jogados ao acaso” (Nascimento, 2021, p. 319).
Lúcia Bettencourt: O regresso – A última viagem de Rimbaud (2015)
Antes de escrever esse romance sobre Rimbaud, a autora já tinha revelado seu pendor em explorar vida-obra de escritores de sua predileção. No conto “A secretária de Borges”, do livro do mesmo nome, existe um jogo com o conto de Borges intitulado “Borges e eu”, no qual se vê a oposição entre o artista que escreve e o que sai às ruas: “Ao outro, a Borges, é que sucedem as coisas. Eu caminho por Buenos Aires […]. Seria exagerado afirmar que nossa relação é hostil; eu vivo, eu me deixo viver, para que Borges possa tramar sua literatura, e essa literatura me justifica” (Borges, 2009, p. 54). O papel da secretária no conto de Lúcia é, inicialmente, escrever o que Borges, já cego, dita; no entanto, às vezes, ela muda o texto, escolhendo muito bem as palavras. Ele finge que não vê até que se irrita com a intromissão da mulher. “Senti-me transfigurado. Um misto de prazer e terror me invadiu. O conto era meu, mas eu nunca o havia escrito” (Bettencourt, 2006, p. 20). Sente-se usurpado; contrata um outro escriba, obediente e fiel às suas palavras. Após lhe falar de sua última obra publicada, o escriba a lê. Ora, Borges sabe que não publicou nada de novo, o que equivale a dizer que a secretária não só escreveu como publicou um livro com o nome de Borges. “As histórias eram minhas, embora eu nunca as houvesse enunciado” (Bettencourt, 2006, p. 20). Em outras palavras, a secretária tornou-se uma ghost writer a despeito do autor que assina, o que embaralha as categorias de falso-verdadeiro. Não pode denunciá-la porque se destruiria a si próprio. O conto dialoga também com um dos textos mais comentados de Borges, “Pierre Menard, autor do Quixote” (no livro Ficções, publicado em 1941), no qual o personagem é um escritor francês que deseja escrever “o” Quixote, não um outro Quixote. “Inútil acrescentar que nunca encarou uma transcrição mecânica do original; não se propunha a copiá-lo. Sua admirável ambição era produzir umas páginas que coincidissem – palavra por palavra e linha por linha – com as de Miguel de Cervantes” (Borges, 2007, p. 46). Sendo Borges o escritor dos labirintos e dos caminhos que se bifurcam, o jogo textual de Lúcia Bettencourt se apropria mais da obra do que da vida, embora a cegueira e a dependência de auxiliares que escrevessem para ele sejam baseadas na vida do escritor argentino. Já no conto “Os últimos dias de Proust”, uma tanatografia do mesmo livro, A secretária de Borges, a transposição é mais da vida do que da obra, ainda que ela seja referida através das alucinações de Proust nos seus momentos finais, sempre amparado por sua fiel Celeste.
O romance O regresso. A última viagem de Rimbaud, lançado em 20 de outubro (de 2015), dia do aniversário de nascimento do poeta francês, trata com muita delicadeza e lirismo da volta de Rimbaud à França, já muito doente, com a perna tão tomada pelo câncer que teve de ser amputada no hospital de Marselha, pouco depois de seu desembarque. Apesar de se inscrever no gênero que tem sido chamado de tanatografia, em que se conta a morte de um personagem, geralmente inspirado numa pessoa real, o romance de Lúcia Bettencourt alterna cenas da agonia do poeta com cenas de sua travessia pela vida cultural francesa, qual um cometa que ilumina a paisagem, desaparece rapidamente, mas deixa um rastro de luz.
A vida de Rimbaud é tão fascinante e, ao mesmo tempo, inquietante, que tem suscitado muitos romances e biografias na França, dentre os quais se destaca o de Pierre Michon, Rimbaud, o filho, já traduzido para o português. A biografia de Dominique Noguez, Les trois Rimbaud, de 1986, inventa uma terceira vida além das duas já consagradas, de poeta e comerciante na África. Nessa terceira vida, Rimbaud recebe o Prêmio Nobel antes de morrer em 1939. A autora leu, certamente, todos eles, mas foi, talvez, o de Michon que a instigou a escrever a sua própria história de Rimbaud, pois ela retomou a difícil relação entre mãe e filho, uma mãe dura e ressentida, abandonada pelo marido, que considerava seu filho um vagabundo. Lúcia Bettencourt não só visitou a cidade natal do poeta, com seus museus vazios, parte narrada no romance, como mergulhou em sua obra, como se pode perceber na sua escrita, na qual se verifica tanto a transposição do vivido como da obra.
O livro alterna capítulos com a voz de Rimbaud em primeira pessoa e outros em terceira pessoa, em que se desvelam os conhecimentos e os mitos sobre o autor. O primeiro capítulo, em primeira pessoa, tem o ritmo e o tom do poema em prosa “Alquimia do verbo”, do livro Uma temporada no inferno. A apropriação pode ser de ritmo como pode ser também de temas, como a cor das vogais, o barco ébrio, o contato com a natureza do poema “Alvorada”, referências que podem ser percebidas e usufruídas pelos conhecedores da obra de Rimbaud.
O romance gravita em torno do topos da viagem, já que Rimbaud foi um grande andarilho, tendo percorrido longas distâncias a pé. Considerando que a literatura já é uma viagem, não é de se estranhar que o grande tema da literatura, desde a Ilíada e a Odisseia, seja a viagem. Rimbaud não se cansou de viajar, mentalmente e fisicamente. À beira da morte ainda queria voltar para a África. Dentre as viagens, destaca-se sua chegada a Paris, quando chocou os círculos literários bem estabelecidos, com suas más maneiras, e provocou a paixão de Paul Verlaine, então casado com Mathilde, uma moça tão jovem quanto Rimbaud. Arrogante e desabrido, Rimbaud desencadeou um turbilhão. Os dois poetas partiram juntos, mas a viagem acabou mal: Verlaine atirou em Rimbaud e foi parar na prisão. O amor de Verlaine se exprimiria depois no cuidado com que publicou os poemas de Rimbaud, que continuava sua vida nômade, primeiro na Europa, depois na África, onde passou anos vivendo uma vida de comerciante.
Como seu barco ébrio, Rimbaud viajou em busca de aventuras que pudessem de alguma maneira preencher o vazio de sua existência, como muito bem captou a autora ao escrever na primeira página de seu romance: “Queria ir, queria me soltar das amarras e partir, experimentar tudo, todas as felicidades, toda a glória e o êxtase. E me dispus a pagar o preço. Calcei as botas
desajeitadas, os coturnos militares de uma herança, e dei o primeiro passo. Dei muitos passos. Fui até a beirada do abismo e, sem hesitar, segui. Nada me assustou” (Bettencourt, 2015, p. 9).
Alternando a voz do poeta com outras vozes, transitando entre passado e presente, Lúcia Bettencourt dá vida a este mito da literatura, Rimbaud, o vidente, o visionário, que anunciava a modernidade da poesia do século XX, que via muito mais longe que seus contemporâneos. Desdobrando a famosa frase Je est un autre, o personagem Rimbaud diz: “Por anos a fio fiz força contra a
corrente e quis provar que ‘eu’ era uma abstração, que nada era definitivo, a não ser a Poesia. Eu, pronome relativo a outro, que só é porque não é, já que é outro” (Bettencourt, 2015, p. 175). Tendo roubado o fogo, como Prometeu, no fim da vida Rimbaud sente-se punido pelos deuses, acorrentado, imobilizado, ele que gostava tanto de viajar. “O abutre que me despedaça lentamente é parte de mim, é o eu que é o outro” (Bettencourt, 2015, p. 175).
Maria José Silveira: Eleanor Marx, filha de Karl (2021)
O romance de Maria José Silveira sobre a filha mais nova de Karl Marx denota as preocupações sociais e históricas da escritora, muito sensível às questões políticas, como se depreende de sua obra literária. A autora se inspirou, principalmente, na biografia Eleanor Marx, de Yvonne Kapp, como revela na Nota ao leitor; além disso, fez uma extensa pesquisa explicitada na
nota, intitulada “As fontes”, que aparece no final do volume. Recentemente foi traduzida uma outra biografia, Eleanor Marx, uma vida, de Rachel Holmes, pela editora Expressão Popular. O livro de Maria José, publicado inicialmente em 2002 pela editora Francis e agora relançado pela Expressão Popular, capta os últimos nove meses de vida de Eleanor, percorrendo os acontecimentos importantes do período, notadamente a Comuna de Paris e o Domingo Sangrento de Londres.
A Comuna surgiu no momento em que o país estava convulsionado em decorrência da guerra franco-prussiana, a queda de Napoleão III, a ascensão de uma Terceira República que não foi capaz de fazer frente à situação. No caos que imperava, se constituiu o primeiro governo revolucionário proletário, que durou dois meses (de 18 de março a 28 de maio de 1871) e foi massacrado. No aniversário de 150 anos da Comuna, Michael Löwy e Olivier Besancenot (2021) criaram uma ficção acerca de uma viagem secreta de Marx e de sua filha Jenny a Paris. Os autores simulam um encontro com um bisneto de Jenny, Pierre Longuet, que teria encontrado um diário dela num baú. Escrito em alemão gótico ou alemão cursivo, num caderno escolar de capa azul, ele lhes foi entregue, porém tiveram dificuldades de decifrar sua letra; Arno Münster traduziu-o para o francês. Marx e Jenny teriam permanecido em Paris de 4 a 20 de abril.
O Domingo Sangrento se deu em 13 de novembro de 1887, quando a recessão e o desemprego levaram a população à miséria; diante das manifestações de protesto, a polícia reprimiu violentamente. Eleanor descobre a pobreza no East End de Londres. “Andando nas ruas e vielas daquele que é o bairro mais miserável da grande metrópole, ela encontra situações que a deixam sem
dormir. É um pesadelo ver mulheres e crianças prestes a morrer de fome e frio” (Silveira, 2021, p. 98). Incansável, ela participou de greves e manifestações. Dois anos depois, em 1889, o ano da criação da Segunda Internacional, foi lançada a reivindicação de 8 horas de trabalho, quando o padrão na época era de 10 a 12 horas de trabalho diário; foi nessa ocasião que se começou a comemorar o Primeiro de Maio.
A fé revolucionária dos personagens de Maria José Silveira é revigorante. “Apesar do frio, da fome, do desemprego, do temor pelo futuro, lá está entre eles aquela espécie de euforia que sempre está onde o povo se reúne para lutar por um direito seu” (Silveira, 2021, p. 97). Essa união na luta se exprime na frase, tomada de empréstimo à peça Henrique V, de Shakespeare, que diz:
“Nós, tão poucos, felizes poucos, nós, bando de irmãos” (Silveira, 2021, p.96), frase que inspirou a escritora a dar o título de Felizes poucos a seu livro de contos.
Como no romance de Lúcia Bettencourt, apesar de focalizar o período final da vida de Eleanor, a narrativa volta para os diferentes passados, tratando, sobretudo, de sua relação com o pai e com Engels. Ambos a amavam muito: Marx considerava que ela era como ele, havia total identificação entre pai e filha; Engels tinha grande devoção por Marx e seus filhos, a prova é que deixou
sua herança para eles. Como a família Marx tinha poucos recursos, Engels, um homem rico, decidiu assegurar uma mesada para que Marx pudesse continuar a fazer suas pesquisas e escrever seus livros porque acreditava no valor de seu trabalho e nos ideais socialistas.
Eleanor Marx escreveu livros, discursos, textos de caráter político, reunidos e traduzidos no Brasil com o título Obra completa (2021); traduziu para o inglês Flaubert, Ibsen; atuou no teatro, era amiga de Bernard Shaw, adorava Shakespeare. Teve militância intensa, participava de comícios, discursava; foi uma das criadoras da Segunda Internacional; viajou aos Estados Unidos para
divulgar os ideais socialistas, tendo participado de reuniões com as várias tendências da esquerda. Se parte de seu prestígio vinha de seu nome, ela fez por merecê-lo, pois suas atividades foram muito variadas. Feminista avant la lettre, ela viveu com seu companheiro sem se preocupar em ter um casamento civil oficial.
Através do artifício de transcrever cartas reais e ficcionais, a autora penetra na intimidade de Eleanor, desvelando seus conflitos, sua insegurança, seus amores. Muito jovem, por volta de 1871, apaixonou-se por um francês, Lissagaray, cerca de 20 anos mais velho, mas o relacionamento não foi adiante porque o pai se opôs ao casamento. Marx alegava que ele era pobre, não queria que ela passasse por dificuldades financeiras, como ele próprio e sua esposa haviam sofrido. Marx também se opusera aos casamentos de suas outras duas filhas, Jenny e Laura, com franceses. Jenny, também chamada de Jennychen, casou-se com Charles Longuet, um communard, um ano após a derrota da Comuna; o casal teve seis filhos, dos quais dois morreram muito cedo. Jenny morreu aos 38 anos de câncer. Laura também desposou um communard francês, Paul Lafargue; os três filhos do casal morreram precocemente; o casal cometeu suicídio antes de atingir os 70 anos. Como Eleanor, ou Tussy, como era chamada carinhosamente na família, não teve filhos, só os Longuet tiveram descendentes.
Inconfessadamente, Marx não queria abrir mão da presença de Eleanor, ela que foi sua principal ajudante enquanto as outras duas moravam em Paris. Após a sua morte, ela publicou a primeira biografia de Marx; ficou incumbida de colocar ordem em seus arquivos e prosseguir na divulgação de suas ideias. Eleanor era tão devotada ao pai que se sentia culpada de deixá-lo em Londres
e partir para a França com Lissagaray. Anos depois dessa frustração amorosa, Eleanora conheceu Edward Aveling, com quem passou a morar. O romance acompanha o desgaste da relação deles, que foi insatisfatória desde o início. Ela conhecia sua fama de mulherengo, vaidoso, egoísta, ouvira boatos sobre sua desonestidade, sobre malversação de fundos; talvez tenha pensado que a união deles o faria se transformar, todavia Edward era como uma enguia, escorregadia, “como uma neblina espessa que não se deixa agarrar” (Silveira, 2021, p. 86). Frequentemente deixava-a sozinha em casa e saía à noite com os
amigos, às vezes não voltava para casa; se ele defendia sua liberdade para agir assim, ela defendia o amor, o desejo de estar juntos.
Apesar de estar bastante doente nesses últimos meses de vida comum, apesar de ser cuidado por Eleanor, Aveling sai sempre que pode, o que a deixa preocupada. No início da relação, como ele era casado, ela não se incomodou em coabitar sem cerimônia civil porque era muito independente; entretanto, Aveling agiu de má fé, se divorciou, não lhe contou; pior, um dia, casou-se
com a atriz Eva Nelson, o que ela descobriu através de uma carta na qual a nova esposa a humilhava, chamando-a de amante. No romance, saber que ele se casara secretamente é a cena que precipita seu suicídio; “depois de ter vivido com ele todos aqueles anos em uma união não legalizada, enfrentando os preconceitos da sociedade vitoriana e muitas dificuldades, pode ter sido […] a
gota de água em um momento de grande vulnerabilidade” (Silveira, 2021, p.150). A herança de Eleanor (vinda de Engels) foi dividida entre seus sobrinhos e Aveling, que morreu quatro meses depois.
Aveling tinha uma personalidade narcisista, que só via seus próprios interesses, não enxergava o outro, não valorizava o que Eleanor fazia por ele; mantinha com ela uma relação abusiva, pouco a pouco foi afastando-a de todos seus amigos, deixando-a, no fim, totalmente solitária. Como é comum nesse tipo de relação, ela não teve coragem de deixá-lo, tornou-se dependente de um amor que ele claramente não lhe dava. “Não me faria bem; eu não poderia viver só, sem me sentir ligada a alguém. E apesar de tudo, apesar de tudo, acho que, no fundo, ele me ama pelo menos um pouco, ou, se não me ama, pelo menos precisa de mim” (Silveira, 2021, p. 90). Sua autoestima foi dilapidada pela relação abusiva, ela não via razões para que as pessoas a amassem. “Tenho tão poucas coisas em mim que possam atrair ou interessar outras pessoas” (Silveira, 2021, p. 93).
Sua baixa autoestima tem a ver com um nível excessivo de exigência; ela foi tão mimada por Marx e Engels que temia decepcioná-los, tinha medo de não estar à altura de suas altas expectativas. “Temo que a herança infinitamente preciosa que eles me deixaram seja também demasiado pesada e dominadora” (Silveira, 2021, p. 107). Por outro lado, sua percepção de si era subestimada devido à admiração exagerada por eles, o que a fragilizava. “Minha natureza é muito diferente, e fui criada de tal maneira que não me basto a mim mesma. Preciso dos outros. Preciso sentir que me amam e me querem” (Silveira, 2021, p. 133).
Considerações finais
Os três romances aqui apresentados tecem suas histórias em torno da morte dos personagens colocados em foco, fazendo, porém, um vaivém entre os diferentes passados a fim de dar corpo e vida aos percursos percorridos por eles. Podemos mencionar outros exemplos na literatura brasileira. Adriana Lunardi criou tanatografias em Vésperas (2002), livro constituído de nove novelas sobre a véspera da morte de uma escritora (Virginia Woolf, Sylvia Plath, Colette, Zelda Fitzgerald, Dorothy Parker, Katherine Mansfield, Ana Cristina César, Clarice Lispector, Júlia da Costa). Em cada texto, a morte é narrada de um ponto de vista diferente; assim “Lunardi desmonumentaliza as narrativas dos últimos dias, elaborando pequenas vinhetas oblíquas que fogem ao pathos e mergulham nessa extraordinária banalidade que é frequentemente considerada como uma característica da escrita feminina” (Dion, Fortier, 2010, p.143). A autora incorpora a obra das escritoras cuja morte é tematizada, em vasos comunicantes. Assim, para narrar a morte de Dorothy Parker, Lunardi faz um pastiche da novela de Virginia Woolf, Flush, memórias de um cão. Usando a terceira pessoa, o narrador transmite as reações, incompreensões e os sentimentos de um cachorro dentro de uma casa em que sua dona (uma escritora) faz coisas estranhas, como em Flush. Já no texto sobre Clarice Lispector, não há, propriamente, a narrativa do momento da morte da escritora, mas a visita ao túmulo de Clarice, no cemitério do Caju. Para cada texto a autora encontrou estratégias narrativas originais. “A despeito do assunto comum, cada narrativa encontra seu próprio tom, se sustentando de modo autônomo – em certo sentido, trata-se de segmentos independentes” (Chiarelli, 2009, p. 117).
Adriana Lisboa transpôs parcialmente a obra de Manuel Bandeira em Um beijo de Colombina (cujo título foi retirado de Estrela da vida inteira) e a obra de Bashô em Rakushisha. Já Luciana Hidalgo se apropriou da vida de Lima Barreto, usando-o como personagem em O passeador. Silviano Santiago também usou esse modelo em vários romances: Viagem ao México, que gira em torno da viagem de Antonin Artaud, Em liberdade, que consiste na transposição da vida e da crítica de Graciliano Ramos, e Machado. Haroldo Maranhão também resgata a vida de Machado de Assis em Memorial do fim: a morte de Machado de Assis. Este modelo de ficção biográfica de escritor, por sua transversalidade, entrecruzando relatos concernentes a biógrafos e biografados, oferece muitas possibilidades e deve continuar sua carreira de modo profícuo.
SOBRE A LITERATURA DE EVANDO NASCIMENTO
No livro A desordem das inscrições (contracantos), Evando Nascimento afirma: “Amo o improviso, sobretudo do jazz. Todavia, justamente nessa arte, improvisar nada tem de amadorístico, pois, para bem realizá-lo, o músico precisa dominar perfeitamente a técnica, e o faz geralmente a partir de uma linha melódica pré-definida. O verdadeiro improviso equivale a poder andar de olhos fechados por um vasto território, depois de tê-lo palmilhado atentamente de olhos bem abertos, durante anos, décadas.”
Esta talvez seja a chave essencial para se compreender a literatura (e os ensaios) de Evando Nascimento. Dentre a vasta produção do autor, seja na área ensaística ou da criação de contos e romance, o que se pode perceber é que existe uma correlação entre um pensamento de ruptura, de experimento e, ao mesmo tempo, uma segurança em relação ao que se quer transmitir.
Então, o improviso, se quisermos usar essa palavra, não tem aqui nada de superficial, ao contrário, tem bases sólidas em leituras e frequentação a um universo literário, artístico e filosófico muito bem assimilado. Seja num ensaio sobre Clarice Lispector, seja numa discussão sobre um teórico da literatura (Silviano Santiago) ou da filosofia (Derrida), seja uma discussão sobre a arte de Oiticica, seja numa palestra ou na sua produção literária, vamos encontrar uma reflexão que não é aventureira, superficial ou cambaleante. O solo é firme, assegurado por amplo conhecimento de causa, o que não impede os voos ousados em todas essas áreas. A combinação de boa formação universitária e convivência com a literatura e as artes, claro, colaboraram para isso.
O que nos ocupa aqui é pensar a área de criação literária de Evando Nascimento, embora sua ensaística e seus contos (e também seu romance recente sobre Van Gogh) se casem perfeitamente no seu projeto como pensador. Insisto, desde já, na palavra pensador (jamais a palavra “intelectual” caberia aqui, pois estamos tratando de um homme de lettres), porque a interconexão entre invenção e reflexão não se descasam em nenhuma das áreas em que o autor navega. Aliás, uma das maiores riquezas de sua obra é justamente a não separação dessas áreas, produzindo uma crise nos gêneros que, em outros tempos, inclusive, se criticavam e se demarcavam numa separação como afirmação de seu valor particular e até hierárquico.
Nos trabalhos de Evando Nascimento esses muros que dividiam áreas de criação e pensamento foram dinamitados. O encontro ou a não demarcação desses gêneros é, portanto, uma atividade que permite ao autor um livre e pleno desenvolvimento da imaginação, não seu contrário. Vale notar que essa superação não se dá por meios puramente intelectuais, mas como necessidade de ampliar o campo imaginativo da literatura que o autor produz.
A sua produção literária compreende os seguintes livros: Retrato Desnatural (Diários – 2004 a 2007), publicado pela Record em 2008; Cantos do Mundo, publicado pela Record em 2011; Cantos Profanos, publicado pela Biblioteca Azul, em 2014; A Desordem das Inscrições (contracantos), publicado pela 7 Letras, em 2019; e sua recente obra, o romance Diários de Vincent (impressões do estrangeiro), publicado pela Circuito, em 2021.
No que diz respeito aos seus contos, cuja própria determinação “conto” como gênero definido fica incerta, a literatura apresenta-se como uma ruptura de todos os nosso hábitos e, acima de tudo, de nossos hábitos poéticos. Como se o autor obrigasse a literatura a apagar seus elementos que a definiriam exemplarmente e simplesmente como literatura. É um outro campo que se abre, também, para o leitor, convidado a rever sua condição de “leitor de literatura”.
Existe uma frase de Bachelard que poderíamos usar como ferramenta de entendimento da literatura de Evando Nascimento: “É necessário que o leitor se prepare dinamicamente para receber sua revelação ativa, para aí colher uma nova experiência das maiores mobilidades vivas: a mobilidade da imaginação.”
A produção de um livro como Diários, tratado como ficção, já coloca o problema da “certeza” em questão, afirmando o primado da imaginação. Em um de seus ensaios, “Uma leitura nos trópicos”, o autor chama a atenção para a ideia de que “o que se fez imperativo nos últimos anos foi tornar cada vez mais iniludíveis os jogos entre subjetividade e objetividade.” Aliás, um dos pontos centrais da arte moderna é justamente a falência de uma relação clássica entre sujeito e objetos artísticos. E Evando Nascimento, conhecedor profundo de Derrida, com ele se irmana na ideia de que “o texto é um tecido, uma composição heterogênea feita de muitos fios, os quais uma vez entrelaçados implicam muitas camadas de leitura”.
Nesse sentido, a experiência do leitor é a de quem vai ter que aceitar o jogo do inverossímil como verdade, ou da verdade como inverossímil, para poder ter a experiência de uma reflexão criada na areia movediça da invenção literária. De certo modo, sabemos, só a arte proporciona essa entrada. O que importa na literatura de Evando Nascimento é borrar as áreas do saber e do criar, do pensar e do imaginar, é borrar as áreas da verdade e da não verdade, do objetivo e do subjetivo, numa construção que implode qualquer pragmatismo ou positivismo.
Há uma passagem em A Desordem das Inscrições que também serve como uma das chaves para adentrar a literatura do autor: “Um negro e um laranja bem fortes invadem a imagem, até se confundirem numa única mancha de negror alaranjado, tom sobre tom”. Por isso a não proposição de conceitos que formem uma unidade de sentido. Na sobreposição caudalosa das várias vertentes do autor como ensaísta, escritor, poeta, artista plástico, o resultado é a impossibilidade de uma unidade de significação que tinge todas as áreas “desessencializando as identidades discursivas”, como queria Blanchot.
Na avaliação de Leyla Perrone-Moisés, o tipo de literatura produzida por Evando Nascimento é daquelas “que desconfiam do sujeito como ‘eu’, do narrador, da narrativa, das personagens, da verdade e das possibilidades da linguagem de dizer a realidade. (…) Desconfiam da literatura como instituição e repetição de fórmulas.”
Leyla cita uma passagem do autor para falar da queixa dos escritores que hoje têm que lidar com o excesso de informação que os oprime: “Quando se começa, nunca se está diante da folha ou da tela em branco, no papel, pano ou cristal líquido, a folha lívida e lisa já está cheia de clichês, montoeira de inutilidades que é preciso limpar para iniciar o trabalho, e o principal clichê foi o que acabei de mencionar.”
Ainda, segundo Leyla, “Evando Nascimento é o mais ensaístico de todos; fala de arte, de política, contém sua própria teoria e sua própria crítica, restando muito pouco a dizer ao ‘amável crítico’ que ele interpela ironicamente”.
Essas são virtudes de sua obra, que encontra um lugar dentro do universo de todas as rupturas que assistimos do século XX até hoje. Mas não repetindo fórmulas já consagradas, aponta para um lugar de risco, novo, ousado e aberto. “A única solução talvez seja simplesmente diferir”, diz o escritor. Para Evando Nascimento, como ele registra, a sua literatura pretende ter “um olhar desnudado sobre o incêndio, tentando segurar as brasas com os dedos e correndo o risco de esfolamento…”.
Existe um elemento nos escritos de Evando Nascimento que não posso deixar de comentar. É aquela sensação de prazer que nos acomete nas leituras, fruto não só da percepção que temos do seu domínio impressionante da linguagem, mas daquela clareza de quem sabe comunicar o que necessita ser comunicado, com estilo, sem precisar ser empolado, acadêmico, ou seja, chato. O autor tem aquela leveza de quem sabe surfar nas ondas em que entra. E isso fica claro no espetáculo que assistimos, dessa flutuação leve e ao mesmo tempo sobre controle, em que as ondas tornam-se parte de seu corpo-escrita e lhes servem bem no seu balé aquático-literário.
Não surpreende que o novo livro de Evando Nascimento, O Pensamento Vegetal: a literatura e as plantas (Civilização Brasileira), aproxime plantas e literatura, numa análise “para além do cogito humano”, numa pesquisa sobre a tradução do universo vegetal pela literatura, essa forma singular de comunicação entre os humanos e a natureza.
(Texto originalmente publicado no site digestivocultural.com, em 08/0/2022.
Jardel Dias Cavalcanti
Prof. de História da Arte, Crítica de Arte e Arte Afro-Brasileira, na Universidade Estadual de Londrina – PR.
Colunista do site Digestivocultural.com
Editor da Galileu Edições
PINTOR HOLANDÊS
Uma viagem pelos delírios de Van Gogh
No livro ‘Diários de Vincent: impressões do estrangeiro’, Evando Nascimento romanceia os pensamentos e inquietações do pintor holandês
Eduardo Oliveira
18/06/2021 04:00 – atualizado 18/06/2021 08:52
“O dinheiro parece movimentar tudo no mundo de hoje, mas não me comove. Sou conduzido apenas pela beleza ou simplicidade que contemplo e desejo transportar para a superfície, onde esparramo camadas de tinta.” Essas são palavras atribuídas a Vincent van Gogh, pintor holandês que teve uma vida breve – morreu aos 37 anos, na França –, mas que deixou uma grande contribuição para a história da arte.
A personalidade forte de um dos artistas mais influentes do século 19 é peça central do livro “Diários de Vincent: Impressões do estrangeiro”, idealizado pelo escritor, ensaísta, professor universitário e artista visual Evando Nascimento, e que será lançado pela Editora Circuito, em evento virtual, nesta sexta-feira (18/06).
A proposta do romance é sedutora: navegar pelos pensamentos mais íntimos do Vincent de carne e osso, conhecer sua conturbada relação com a família, suas aventuras amorosas, seu senso crítico e sua inteligência fora do comum, tudo isso contado em primeira pessoa. O livro propõe uma mistura de imaginação e realidade sobre textos elaborados pelo pintor durante os quatro últimos anos de vida, enquanto esteve em Paris, Arles, Saint-Rémy-de-Provence e Auvers-sur-Oise.
Em forma de diário fictício, o enredo mostra pensamentos, desejos, impressões, raivas, mágoas, e tudo aquilo que se passava pela fértil mente do artista. “Estes são meus desenhos escritos, ou antes, minha escrita desenhada.”
Para isso, o professor Evando Nascimento, natural de Camacã (BA), autor das obras de ficção “Retrato desnatural”, “Cantos do mundo”, “Cantos profanos” e “A desordem das inscrições”, se baseou em leituras de cartas de Van Gogh, além de biografias e estudos críticos, com o objetivo de humanizar o artista e fugir dos estereótipos que foram criados sobre sua sanidade, inclusive no cinema. E não faltam boas histórias para isso: problemas financeiros, consumo excessivo de bebida alcoólica, solidão, indignação por causa da desigualdade social, o abandono da religião e até a relutância em aderir ao impressionismo, muitas vezes por ele criticado, expõem a face mais mundana de um pintor ainda em formação.
Vincent van Gogh, ou simplesmente Vincent, como ele assinava seus quadros, e o motivo é explicado no romance, odiava instituições acadêmicas, mesmo as não oficiais, como os ateliês. Chegou a abandonar duas academias de arte, em Antuérpia e Bruxelas, e teve dificuldades com colegas enquanto fazia aulas em Paris. Ele não aceitava apenas seguir modelos, queria acrescentar algo do seu estilo ao processo criativo: “Tolo de quem segue as normas à risca”.
Em contrapartida, tinha compulsão por leitura, hábito que o fazia pensar e lhe dava muito prazer. Desse modo, mesmo sob um forte sentimento de insegurança em relação aos demais pintores da época, preferia estudar por conta própria. Para ele, a arte significava uma combinação de talento, inteligência e sensibilidade, mas que demandava trabalho e dedicação total.
Uma das várias cidades em que Vincent morou foi Paris, onde dividia o lar com o irmão Theo. Em seus diários, Van Gogh fala das diferenças entre eles que dificultavam a relação, mas, também, demonstra gratidão pela constante ajuda financeira que recebia do caçula da família. A história mostra um pintor incomodado por viver em “tempos difíceis” para os artistas e que temia por uma geração que corria o risco de morrer jovem, sem conhecer a devida consagração.
“Não se pode comer tela, tinta, pincel. […] Infelizmente a norma atual do comércio é: artista bom é artista morto.” E se você acha que já ouviu algo parecido por aí, os diários também abordam temas que ainda estão em voga, como: “A fome é um problema social grave de nossos tempos” e “A Terra não é plana”.
A vida noturna de Paris agradava aos irmãos Van Gogh, que, devido aos exageros, acabaram prejudicando a própria saúde. As histórias contadas por Evando Nascimento mostram muitas relações oriundas da boemia francesa, que arrebatavam o coração do pintor holandês.
Uma delas foi a italiana Agostina Segatori, dona de um restaurante. Apesar disso, Vincent sonhava com uma esposa que unisse características como “força e doçura”, e afirmava: “Mais vale morrer de paixão do que de tédio”. O artista vivia em marés de afeto e desafeto com a própria família, criticava a relação submissa da mãe em relação ao pai, e falava da necessidade de se respeitar mais as mulheres.
Existiram alguns hiatos entre as anotações de Van Gogh. Por vezes, ele perdia os cadernos durante o trabalho, e só voltava a encontrá-los semanas depois. Porém, é fácil identificar que Vincent admirava culturas diferentes. Ele falava com muito amor sobre o Japão, país que nunca chegou a visitar, mas que influenciou em seu modo de observar a arte.
O pintor adorava as coloridas estampas do país oriental, os ‘crépons’, como ele mesmo as chamava, por causa do papel com que eram produzidas. Outro exemplo disso é que, além do holandês, sabia ler em mais três línguas: inglês, alemão e francês. Adorava Balzac, Huysmans, os irmãos Goncourt, Maupassant e Flaubert.
Muito se comenta sobre o episódio em que Van Gogh perdeu parte da orelha e também sobre sua saúde mental. Mas o livro tem uma proposta diferente, pois o próprio pintor nos conta a sua versão da história. A dinâmica de escrita e o ritmo do texto mudam quando o holandês está internado em um asilo.
Ainda assim, é interessante observar que, mesmo após um diagnóstico de ‘epilepsia latente’, e recomendações médicas para que evitasse fortes emoções, o talento brilhante de um homem que viveu pela arte se manteve intocado até seus últimos dias: “A vida perde valor quando experimentada sem o que os gregos chamavam de páthos, um estado que independe de nossa vontade, podendo nos levar aos píncaros da felicidade – ou às funduras do infortúnio”.
Trecho
“Assim, dentre os pintores que são grandes, Paul Cézanne pode ser colocado como um místico, pois é lição de arte o que nos dá, ele vê as coisas por si mesmas, mas por sua relação direta com a pintura, ou seja, com a expressão con- creta de sua beleza. Ele é um contemplativo, observa esteticamente, não objetivamente; exprime-se pela sensibi- lidade, ou seja, pela percepção instintiva e sentimental das relações e acordes. E como assim sua obra faz fronteira com a música, podemos repetir de maneira irrefutável que é um místico, sendo esse último meio o supremo, o do céu. Toda arte que se musicaliza está no caminho de sua absoluta perfeição. Na linguagem ele se torna poesia, na pintura torna-se beleza”.
“Diários de Vincent: impressões do estrangeiro”
- Evando Nascimento
- Editora Circuito
- 354 páginas
- Lançamento: hoje,sexta-feira (18/06), às 18h
ENTREVISTA
Evando Nascimento: ‘Peço que leiam o livro, antes de tudo, como ficção baseada em fatos reais’ (foto: Divulgação)
Evando Nascimento
“Van Gogh foi um dos maiores
escritores de todos os tempos”
Como foi o processo de pesquisa para a produção do livro? Por que você decidiu por Vincent van Gogh?
Em 2015, fiz uma viagem à Holanda com a intenção de revisitar esse museu, que conheci em 1992, e também um outro, o Kröller-Müller, o segundo no mundo em quantidade de obras de Van Gogh. Voltei ao Brasil determinado a escrever uma ficção a respeito. Procurei uma edição das “Cartas” na internet e encontrei os seis volumes enciclopédicos da Editora Actes Sud, que fica em Arles, onde Van Gogh morou. Lendo a vasta cor-respondência, surgiu o desejo de escre- ver um diário ficcional sobre os dois anos em que ele viveu em Paris com Theo, quando escreve pouquíssimas cartas, pois o irmão era seu maior correspondente.
Quis preencher essa lacuna ima- ginando fatos a partir dos poucos documentos existentes. Depois criei gosto e fui até o final, quando ele morre em Auvers-sur-Oise. Mas não me ative somente à correspondência, que é estupenda. Consultei também as melhores biografias e diversos estudos críticos, além de catálogos de exposições. À medida que lia, fui escrevendo alguns episódios isolados, sempre numa narrativa em primeira pessoa, a do próprio artista, num caderno. A partir de determinado ponto, dei uma sistematicidade maior à escrita, cobrindo períodos mais largos, até concluir. A primeira versão ficou pronta em 2019. Dei um ano de descanso ao manuscrito e retomei no final de 2020. Foram mais três meses de reescrita, até me dar por satisfeito.
Para escrever o romance, você estudou a obra de Van Gogh a fundo. O quanto você usa da imaginação autoral e do exercício ficcional, e o quanto o livro carrega de fatos sobre o artista?
É quase impossível avaliar o quanto exatamente entrou de imaginação e o quanto entrou de realidade no romance. Posso apenas afirmar que, em linhas muito gerais, sou bastante fiel ao ho- mem excepcional que foi Van Gogh, muito diferente do mito redutor do gênio louco e suicida. As cartas e alguns estudos históricos bem fundamentados me deram os principais fatos que inte- ressavam ao retrato que eu desejava compor. Mas estou plenamente consciente de que é uma interpretação minha, e que outros interpretam de outra maneira, tal como fizeram biógrafos e cineastas. Nessa leitura pessoal, o simples recorte dos fatos a serem narrados já é parte da ficção. Além disso, há elementos inspirados em Van Gogh, mas que ele não necessariamente vivenciou e sobretudo não narrou, como fez com inúmeros episódios de sua existência.
Os diários dão acesso às convicções, incertezas, anseios, medos e aventuras do pintor holandês. O que o leitor poderá perceber sobre a personalidade de Van Gogh?
Espero que meu leitor perceba um personagem culturalmente riquíssimo, bastante contraditório e muito sensível. Lendo sobretudo as cartas, descobri uma pessoa que não cabe na camisa de força do mito. Van Gogh era um homem cultíssimo, que lia compulsivamente o tempo todo em três línguas, além do holandês: francês, inglês e alemão (este bem menos). Falava inglês e francês fluentemente e também escrevia nessas duas línguas – um terço das longuíssimas cartas é em francês. Adorava lite- ratura francesa, Zola e Balzac eram seus ídolos.
Tinha também um enorme repertório de pintura, adquirido desde que trabalhou como marchand na empresa de quadros e reproduções de seu tio Cent, a Goupil & Cia, a maior daquela época. Visitava com frequência museus e galerias. Foi um artista cosmopolita, viveu em seis cidades importantes: Haia, Amsterdã, Londres, Bruxelas, Antuérpia e Paris, além de várias cidadezinhas do interior da Holanda, Inglaterra, Bélgica e França. Fez grandes amigos, como os pintores Émile Bernard e Paul Gauguin, mas também com gente simples como o carteiro Roulin, que pintou mais de uma vez. Teve três grandes paixões, a última delas Agostina Segatori, italiana dona de um restaurante frequentado por artistas.
Por fim, mas não o menor, depois da leitura das cartas posso afirmar que foi um dos maiores escritores de todos os tempos. Seu estilo é simplesmente esplêndido e precisa ser tão reconhecido quanto as pinturas. Não pensei em nenhum momento em imitá-lo, mas sim em forjar um estilo inspirado no modo como ele escrevia, no entanto, com dife- renças marcantes. Uma emulação bastante inventiva. Posso afirmar que a vida é dele, mas a escrita é minha.
Em seus escritos, Vincent van Gogh celebra o ‘avanço das ciências’, ressalta que a Terra é redonda, e critica o modo como os pintores eram tratados ao afirmar que, naquela época, ‘artista bom era artista morto’. Você enxerga semelhanças com o Brasil atual? Se estivesse vivo, o que o pintor pensaria a respeito do nosso país?
Quando li numa carta essa frase sobre a obviedade de a Terra ser redonda, me lembrei logo dos terraplanistas e resolvi colocá-la no romance. O livro tece, sim, sutilmente, algumas relações com o Brasil antigo e atual, de forma crítica mas também positiva. Há inclusive alguns (poucos) anacronismos intencionais. Quanto à frase “artista bom é artista morto”, ele nunca a pronunciou, mas o sentido crítico que atribuo está na correspondência. Em vários momentos, ele fica indignado que, após a morte de um pintor como Millet, por exemplo, a obra dele dobre ou triplique de preço.
Ou seja, para os galeristas, depois de falecer é que a obra de um pintor se torna de fato “boa” para comercializar. Ora, isso vai se repetir ao longo de todo o século 20. A obra do próprio Van Gogh vale mil vezes mais hoje do que quando ele era vivo. Aliás, só conseguiu vender um único quadro em vida, por baixo preço. Há uma crítica cerrada em meu romance ao fato de os artistas lucrarem em geral menos do que quem comercializa suas obras, com poucas exceções. Essa é uma discussão que ele suscita e que continua a ter uma atualidade imensa: é preciso morrer para ser efetivamente valorizado. A especulação financeira em torno da arte atingiu dimensão estratosférica no século 21. Van Gogh, cujo irmão era marchand como ele mesmo foi na juventude, antecipou a explosão abusiva do mercado de arte.
No quarto caderno, quando o artista está em um asilo, o estado de saúde de Van Gogh chega a comprometer as próprias anotações. Como foi reproduzir esse período e o que ele pode nos trazer de aprendizado?
Essa foi uma parte em que utilizei muita imaginação. Na verdade, ele só escrevia cartas no asilo quando não estava em crise. E não eram cartas delirantes, ao contrário, se ele mesmo não falasse da enfermidade não seria possível identificar um louco somente pelo estilo da escrita. Fora das crises, ele manteve uma lucidez que impressiona. Mas achei interessante que meu personagem tentasse escrever durante as crises ou logo depois, quando ainda estava imerso na tormenta psíquica.
Aí fiz um experimento de linguagem, em que insiro fatos reais numa fala em parte desconjuntada, em parte lúcida. No romance isso é enriquecedor, numa biografia verídica seria catastrófico. É por isso que peço que leiam o livro, antes de tudo, como ficção baseada em fatos, tal como quando se vai ao cinema ver a história de um personagem real reinventada, e não como documentário. A diferença é que optei pela forma diário e não pelo narrador em terceira pessoa. Isso traz uma complexidade especial, já que esse diário jamais existiu.
Há 10 anos, em maio de 2011, quando perguntado sobre seus próximos projetos, você disse ao Estado de Minas: “Estão a caminho: o anunciado quase romance por vir, as duas peças de teatro, um livro de poemas, dois livros de ensaio, minhas correspondências incompletas, uma instalação poética e outras coisas que forem surgindo ao longo da estrada. Bote pelo menos uns dez anos de traba- lho nisso (risos)”. Qual balanço você faz desse período que passou e o que espe- rar da próxima década?
Dez anos depois, rio de mim mesmo… Há uma distância enorme entre intenção e gesto, sempre. Nesse período, publiquei dois livros de contos, um livro de estudos sobre Clarice Lispector, diversos ensaios sobre literatura e estética e um livro com textos meus e de Jacques Derrida na França, além de escrever esse romance vangoghiano. Voltei também a desenhar como fazia na adolescência, e comecei a pintar e a fazer colagens. Escrever sobre Van Gogh é um desdobramento de minha paixão pelas artes visuais. Antes de optar pela literatura e pela filosofia, pensei muito em me tornar artista plástico.
Por vias muito tortas, só agora estou cumprindo meu destino. O único dese- nho que ousei pôr nesse romance é uma singela homenagem a Van Gogh e ao adolescente que fui: um girassol feito com grafite, que uma amiga chamou de “o olho de Van Gogh”, e com razão! Quanto ao futuro, desta vez não arrisco nada (risos).
Diários de Vincent: Impressões do estrangeiro é um ensaio-ficção de Evando Nascimento. A vida-obra de Van Gogh vem inspirando criadores há um século pelo menos. A escrita de um diário ficcional é um novo lance neste tabuleiro que mistura fascínio e interrogação. Um traço fica claro de saída aqui: não há nenhuma exploração sentimental da loucura, tampouco qualquer aposta na vitimização. O artista por trás destes diários é de uma racionalidade assombrosa.
É conhecida a apropriação ficcional de biografias pela literatura contemporânea. O sujeito da escrita é deslocado para um lugar difuso, desfazendo qualquer princípio de identidade que tenda a comprimir vida e obra. O “estrangeiro” que produziu as impressões de Vincent não está só em outro lugar; ele é, ao mesmo tempo, um pintor do século XIX e um escritor do século XXI.
Quando digo tratar-se de um ensaio, faço isso por conta do muito que se discute aí sobre arte, literatura, criação. Há uma atenção detida aos dois motivos que singularizaram a poética vangoghiana: a COR e a NATUREZA: “Minha definição de arte seria o homem acrescentado à natureza”. Acréscimo que se fazia pela densa pincelada de cor, que era ao mesmo tempo luz e sinestesia. Lembro aqui a observação de Gertrude Stein sobre as frutas pintadas por Matisse – ele dava a ver o cheiro delas.
Há um esforço notável por parte do autor em aliar, às divagações pessoais próprias de um diário, um espírito analítico incomum. Os quatro anos a que se referem estes diários – de 1886 a 1890 – talvez sejam os quatro anos mais transformadores na obra de um único artista na história da arte moderna. Nestes anos, Van Gogh atravessou o impressionismo e abriu a porta para os expressionismos do século XX. Depois de enorme aprendizado com os clássicos do Louvre, ele vai se familiarizando e sendo empurrado para a natureza, para o ar livre, pelos impressionistas – que de início causavam-lhe confusão.
Nesta combinação de rigor crítico e exercício ficcional, Evando respeita a própria escrita do pintor, sempre tão cuidadoso no trato com as obras de seus mestres e colegas – Rembrandt, Delacroix, Millet, Monet. Lendo estas páginas lembrei-me da opção acertadíssima do curador Paulo Herkenhoff, na Bienal da Antropofagia (1998) ao colocar, na sala contígua à de Van Gogh, a instalação dos metros delirantes de Cildo Meireles. Aquelas réguas obsessivas e amarelas criavam uma métrica própria, ou seja, uma poética em diálogo transversal e intenso com o pintor holandês.
O retrato que vai sendo desenhado ao longo destas quase quatrocentas páginas é de um artista menos caricato e mais complexo: um homem inquieto, obsessivo, solitário, caudaloso, cosmopolita, que falava holandês, alemão, inglês e francês, que viveu nas principais capitais europeias, que conhecia profundamente literatura e história da arte. Sua procura pela pulsação viva da cor e da natureza levou-o para o Sul, para a luz, na busca do verdadeiro Midi, o meio-dia feliz, onde pôde entender “perfeitamente o provérbio alemão Onde a luz bate mais forte, a sombra é mais escura”. Provérbio sentido no olho e na alma do artista com uma intensidade fatal.
Luiz Camillo Osorio
Professor de Estética no Departamento de Filosofia da PUC-Rio
Curador do Instituto PIPA e ex-curador do MAM-Rio (2009-2015).
Evando Nascimento, autor de “Diários de Vincent: impressões do estrangeiro” (Foto: Aline Massuca/Divulgação)
Em Diários de Vincent: impressões do estrangeiro (Circuito, 2021), o escritor, pesquisador e professor universitário Evando Nascimento parte de um extenso material de pesquisa sobre Vincent Van Gogh, sobretudo de sua correspondência, para propor uma releitura do percurso pessoal e artístico do pintor holandês.
Essa mescla entre ficção e biografia “confunde” até mesmo o autor, que alerta: “Só assinalo que a maior parte das vezes não tenho certeza sobre o que retirei dos fatos biográficos e sobre o que inventei. Isso talvez dê uma chance ao leitor para, com efeito, imaginar outro Van Gogh…”
Nesta entrevista, Nascimento fala sobre o artista do século 19 – que se sentia um estrangeiro em sua terra natal -, seu olhar sobre o Brasil, o conceito de tradução, entre outros temas:
No conto “O dia em que Walter Benjamin daria aulas da USP”, de 2011, você imagina a relação de Benjamin com o Brasil. Agora, você está propondo o contato imaginário do pintor holandês com o nosso país. Poderia discorrer sobre isso?
É difícil explicar por que se decide escrever uma história com determinada temática. Digamos que sempre me interessou muito o olhar dos estrangeiros – famosos ou não – sobre o Brasil. No caso de Benjamin e de Van Gogh, a biografia deles permitiria esse deslocamento até os trópicos. No que diz respeito a Benjamin, isso está atestado numa troca de cartas com Erich Auerbach, que cogitou a possibilidade de o autor do livro das Passagens vir dar aulas na USP, o que infelizmente acabou não acontecendo.
No que diz respeito a Van Gogh, descobri essa relação lendo as cartas, que são o melhor documento de sua trajetória, de seus projetos, aspirações e realizações. Em determinado momento da juventude, quando tentava seguir uma carreira religiosa, ele cogitou a possibilidade de vir como missionário para a América do Sul – por que não o Brasil? Mais tarde, morando em Arles, sul da França, convivendo com Gauguin, o nome do Brasil aparece algumas vezes na correspondência, seja de forma isolada, seja como um dos países tropicais onde valeria a pena morar, porque ele acreditava que o futuro da pintura estava nos trópicos.
Assinalo apenas que esse é um dos temas do livro, não o único. O romance é um diário fictício sobre os últimos quatro anos da vida do pintor holandês e tudo o que de maravilhoso ou terrível ocorreu então. Corresponde ao estilo mais brilhante de sua carreira, depois do contato com o impressionismo, inaugurando a fase pela qual se tornou mundialmente conhecido.
Como você vê o papel de Paul Gauguin na obra e na vida de Van Gogh, considerando esse aspecto latino-americano da sua biografia?
Isso daria outro romance! (risos) O contato entre os dois foi curto, mas de intensidade máxima para suas carreiras artísticas. Gauguin não só morou no Peru na infância, mas também retornou às Américas na idade adulta. Quando Van Gogh o encontrou em Paris, ele já tinha passado uma estadia no Panamá e na Martinica. Fala-se muito de Gauguin na Oceania, mas ignora-se essa viagem anterior aos trópicos, em que realizou telas belíssimas, as quais marcaram em definitivo seu gosto e sua prática artística.
Van Gogh conheceu algumas dessas pinturas em Paris, entre as quais, “As Negras”, que admirava intensamente. A partir daí passou a considerar Gauguin um mestre. Mas é necessário enfatizar também o inverso: o impacto da obra de Van Gogh sobre Gauguin não foi pequeno. Mesmo depois do episódio da orelha cortada em Arles, eles continuaram se correspondendo, e mais de uma vez Gauguin expressou uma grande admiração pela arte do amigo. Chegou a dizer que, numa exposição em Paris, a pintura dele era a única que “pensava”. É o que eu chamaria de “pintura pensante”, tal como nomeio, em diversos ensaios, a literatura ou a escrita pensante de Clarice, Rosa, Kafka, Joyce e muitos outros.
Você imagina luminares da cultura europeia expressando interesse pelo Brasil, mas sem nunca terem aqui estado. Que país eles viam? Que país veriam hoje?
Referindo-me especificamente a Benjamin e a Van Gogh, diria que, tal como está em minha ficção, a ideia sobre o Brasil era muito vaga, oscilando entre a idealização e a realidade do colonialismo europeu, que eles não ignoravam. Se estivessem vivos hoje, não haveria idealização alguma, só veriam provavelmente a face da barbárie… Em dois anos, nossa imagem no mundo piorou exponencialmente. Acabou em definitivo a ilusão dos trópicos felizes, dando assim razão ao famoso título de Claude Lévi-Strauss: Tristes trópicos.
Uma das epígrafes do seu livro foi extraída de uma carta que Van Gogh enviou ao pintor inglês Horace Mann Livens, em 1886: “Sobretudo porque em meu caso não sou aventureiro por escolha, mas sim por destino, e não me sinto tão estrangeiro em nenhum outro lugar como em minha família e em meu país”. Essa epígrafe parece extremamente atual, no Brasil especialmente, em que muitos se sentem estrangeiros no país governado pela extrema-direita, em que parte da população revelou seu lado mais preconceituoso e inescrupuloso. Poderia falar um pouco da escolha dessa epígrafe?
A epígrafe dialoga com o subtítulo do romance: “Impressões do estrangeiro”, em toda sua ambiguidade. Quanto à comparação que você propõe, acho que são realidades bem diferentes. Van Gogh não tinha uma visão negativa sobre seu país como temos hoje a respeito do Brasil. Movido por um impulso singular, foi um grande viajante: “por destino”, diz ele na frase citada.
Como deixo claro ao longo do livro, foi um dos primeiros artistas cosmopolitas, numa época em que viajar era bem mais difícil do que hoje. Viveu em grandes cidades como Amsterdã, Haia, Bruxelas, Antuérpia, Paris e Londres, mas também em inúmeras cidadezinhas da Holanda, da Bélgica, da Inglaterra e da França. Falava fluentemente inglês e francês, lia e escrevia nessas línguas, além de ler em alemão. Tudo isso é ignorado pela vulgata do artista, o “mito Van Gogh”, que oscila sempre entre o sentimentalismo, a genialidade e a loucura, como o cinema explorou amplamente.
Minha impressão, lendo as cartas, estudando a obra e escrevendo o romance, é que ele precisou existencialmente viajar para conhecer outras culturas e, mais tarde, para manter contato com o meio artístico. No entanto, numa das cartas à mãe, vivendo no estrangeiro, ele diz que se sente ainda um camponês de Zundert, vilarejo onde nasceu. Creio que ele era as duas coisas ao mesmo tempo: um pintor viajante, muito culto, e um interiorano da Holanda profunda.
Isso fez com que nunca se fixasse em lugar nenhum: aonde quer que fosse seria sempre um estrangeiro, até mesmo em sua terra natal, porque ele já não pertencia mais apenas àquela localidade. Porém ele nunca perdeu o vínculo com seu lugar de origem, até porque suas irmãs e sua mãe continuaram morando no interior dos Países Baixos. No final da vida, chegou a pintar paisagens holandesas de memória, o que mostra sua relação afetiva com as terras do Norte. Já nós brasileiros temos hoje grande dificuldade em amar o país governado pelos extremistas. É um amor torturado.
Mais adiante se lê: “minhas telas são a pura tradução dos mais caros pensamentos e das sensações. Desde a escolha dos materiais a utilizar no trabalho até as últimas pinceladas”. Como você aplicaria o conceito de tradução na obra de Van Gogh a partir dessa afirmação?
Como já disse, Van Gogh lia e falava em mais de uma língua, o que faz dele um tradutor por excelência, pois só se aprende e se utiliza outra língua por meio de tradução. Além disso, ele escreveu um terço das cartas em francês, para seu próprio irmão que falava holandês como ele! Há uma cena narrada quando morava em Auvers-sur-Oise que mostra bem como prezava sua condição de estrangeiro. Ele conta que, numa visita a seu irmão Theo em Paris, chegou a discutir com a cunhada e com o irmão dela porque queria conversar somente em francês – e os dois também eram holandeses!
Desconheço um artista tão apegado a outras línguas, sobretudo o francês, como Van Gogh, inclusive ele adorava a literatura francesa, que lia compulsivamente. Isso é tão mais impressionante porque só estudou línguas estrangeiras durante um ano, na adolescência, depois saiu da escola. Desenvolveu o conhecimento do inglês e do francês lendo muito e vivendo nos países. O alemão foi mais fácil por ser uma língua aparentada ao holandês.
Há nele o que chamaria de “pulsão estrangeira”: o desejo permanente de ser outro, de viver a experiência do exterior, sem jamais deixar de ser holandês. Acho que nunca lhe passou pela cabeça solicitar a nacionalidade francesa, como muitos estrangeiros até hoje sonham. O lugar dele era o que sinalizo no subtítulo já citado do romance: “Impressões do Estrangeiro”.
Aplicado à obra de Van Gogh, o conceito de tradução explica muito a respeito de seu procedimento artístico: ele traduz as vivências em pintura. Aliás, você esqueceu de mencionar que meu livro tem também um tradutor holandês, pois, afinal, se trata de “diários” traduzidos para o português: Jan Visser, a quem devo quase tudo. Os manuscritos em holandês que deram origem à ficção são segredo de Estado…
Diários de Vincent: impressões do estrangeiro
Evando Nascimento
Editora Circuito
356 páginas
Dirce Waltrick do Amarante é autora, entre outros, de Finnegans wake (por um fio) e Para ler Finnegasn Wake de James Joyce, ambos pela editora Iluminuras.